Análise literária - Em resumo, o conto relata uma história de opressão e
de falta de perspectivas, cuja personagem Maria Campaniça sonha em sair da
aldeia onde mora, mas não consegue escapar.
Não se trata de uma história de uma heroína, mas de todo um contexto social. Campaniça é um símbolo coletivo e o espaço é o verdadeiro protagonista
da narrativa, como observamos no
decorrer do texto. Primeiramente, vale salientar que o espaço físico do conto
se passa na Vila de Valgato (pertencente à Alentejo, uma região do centro-sul
de Portugal), como podemos identificar no início do texto:
Valgato
é terra ruim.
Fica no fundo de um córrego, cercada de carrascais e sobreiros
descarnados. O mais é terra amarela, nua até perder de vista. Não há searas em
volta. Há a charneca sem fim que se alarga para todo o resto do mundo. E, no
meio do descampado, no fundo do vale tolhido de solidão, fica a aldeia de
Valgato, debaixo de um céu parado.
No entanto, o espaço físico é quase que uma metáfora que nos leva ao espaço
psicológico/social que envolve e caracteriza intimamente o conto de Manuel da
Fonseca. O narrador ao descrever os primeiros indícios da localização: “Fica no
fundo de um córrego, cercada de carrascais e sobreiros descarnados”, já nos
remete a uma impressão negativa de uma terra que fica nos “fundos”, ou seja, na
insignificância de um córrego; “cercada de carrascais e sobreiros descarnados”
mostra um caminho que expressa certa dureza, com uma vegetação sem vida, sem
atrativos que induz a certo abandono e isolamento. Ou seja, o narrador, logo na
primeira linha, nos dá um local (Valgato) e uma informação reiterada em três
momentos do texto (terra ruim), que é confirmada por escolhas lexicais
(adjetivos), como: amarela, descanados e
nua, no sentido de terra infértil, falta de alimento, fome, desolação. Também,
marca em seu discurso as “ausências”: de gente (charneca sem fim), de
plantações (desacampado), de Deus (céu parado). Tais descrições leva o
leitor a criar uma atmosfera depreciativa do espaço, que vai de encontro com o
contexto social pós-guerra (1945) e as inúmeras consequências desse fato
histórico, evidenciando um espaço onde não se pode fugir e não se cria
perspectivas. Logo, Valgato é terra ruim e terra triste (“terra triste” também
é reiterada em três momentos no texto).
De certa forma, cria-se uma reflexão simbólica do estado psicológico e emocional das personagens. O próprio título – Campaniça
- denota uma personagem sem identificação, uma imagem coletiva da mulher do
campo que carrega a sina da miséria e da sua condição feminina. Os poucos
personagens nomeados (Maria Campaniça e sua mãe, Zé Tarrinha, Venta Larga,
Baleizão, Carrasquinha), representam os habitantes de Valgato. Entre eles, Zé
Tarrinha é relacionado à sua mula (o homem no mesmo nível dos animais); o
apelido Venta Larga, demonstra falta de identidade dessas pessoas em seu
contexto social e a sua total insignificância a ponto de se quer ser
adequadamente nomeadas (personagens/objeto). Mas, nem tudo foram trevas, houve
uma esperança (noite de estrelas), pois Zé Gaio conseguiu se libertar e sair de
Valgato, no entanto, tal episódio se findou no espaço dos sonhos.
De acordo com Camocardi e Flory (2008, p.101), “o
presente – terra ruim de homens tristes – é fonte da temporalidade e seu
caráter continuativo – foi e continua sendo – providência a circularidade de
destinos que se repetem”. O tempo presente na narrativa enfoca o espaço da realidade e o tempo passado
o espaço dos sonhos como podemos
observar nestes dois trechos da personagem Campaniça:
(Passado) “Maria Campaniça, quando era solteira, pensava
todos os dias em fugir da aldeia... Subia a quebrada, sentava-se no cabeço mais
alto à sombra de um chaparro e punha-se a pensar para que lado partiria”.
(Presente)
“Os olhos
de Maria Campaniça estão cheios de água. Veio-lhe a certeza de que não sairá da
aldeia e que, um dia, quando for velha, hão-de cobri-la de terra e pôr-lhe uma
cruz em cima”.
Para Camocardi e Flory (2008, p.108), “o texto é uma
somatória de quadros que se encadeiam, numa superposição cinematográfica,
inter-relacionando-se numa situação textual unitária”. Como já foi dito, o
conto é circular, apresenta personagens homogêneos em uma terra triste com
homens tristes, cuja reiteração é estilisticamente usada pelo narrador. Os
homens saem para trabalhar e sustentar suas pobres vidas, lutam contra a
natureza agreste, o sono, a escuridão da noite, e, por fim, são envolvidos em
uma condição sub-humana em um espaço prisional com início e fim previsto. A
esperança é uma lembrança, o presente a única alternativa e o futuro é uma repetição
de acontecimentos.
Outro ponto forte do texto é o seu caráter persuasivo. O narrador heterodiegético (visão com) conduz
a narrativa na terceira pessoa e de certa forma abre um diálogo com o leitor,
como destaca Camocardi e Flory (2008, p.108):
O
narrador solidariza-se com os oprimidos, (...) através do discurso dialógico (diálogo
narrador/leitor), marcado pela estilística da repetição e pelo aproveitamento
do elemento lírico, como recusa tácita de reificação e como reação artística
contra a opressão e a zoomorficação do homem.
O discurso dialógico nos remete, segundo Santos
(2008, p.29), as características do neorrealismo
e o “seu devotamento às causas sociais, às mazelas do homem, aos
padecimentos da humanidade, sobre tudo no que tange às deformações e grandes
diferenças sociais”. Essa aproximação entre a realidade e a literatura é bem
evidente na obra de Fonseca.
Referência Bibliográfica:
CAMOCARDI,
Elêusis M; FLORY, Suely F. V. Estratégias
de persuasão em textos jornalísticos, publicitários e literários. São
Paulo: Arte & Ciência, 2008.
FONSECA, Manuel
da. Aldeia Nova. Lisboa: Caminho,
1984.
SANTOS, Elieser
Bernado de. Campaniça e Aldeia Nova: um
retrato da paisagem alentejana à luz do neo-realismo e da geografia cultural.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro, 2008.
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