Análise Literária - Para
Nelly Novaes Coelho, há quatro aspectos que integram o processo poético: os
elementos estruturais da linguagem poética, os processos intensificadores, os
processos imagísticos e a natureza das classes de palavras (1976, p. 61). Tais
aspectos podem ser analisados separadamente, mas sem perder a visão global do poema de
Cecília Meireles, “Assim moro em meu sonho”.
Em
referência à forma (elementos estruturais), o poema apresenta cinco quadras, ao
total são 20 versos isométricos hexassílabos, ou seja, trata-se de uma métrica
regular, com seis sílabas métricas em cada verso. Predominam dois esquemas
rítmicos: 3 – 6, como na primeira estrofe e 2- 4 e 6 como nos versos 11, 16, 17
e 18. Entre as rimas, as externas são notórias nos versos pares de cada estrofe.
Sobre as classes de
palavras, percebemos que os verbos que norteiam o poema estão na primeira
pessoa, assim como os pronomes possessivos, o que denota um posicionamento
pessoal do sujeito poético. Nessa lógica, destaco os termos “meu sonho e meu
olhar” cuja semelhança sintática reforça o seu conteúdo semântico, pois o olhar
sugere uma ligação entre os dois mundos do eu lírico, o interior (sonhos), e o
exterior (realidade).
Dentro
dos processos imagísticos, o poema apresenta muitas metáforas, na primeira
sentença, por exemplo, a comparação “moro em meu sonho:/ como um peixe (mora) no
mar” alude ao ambiente natural do peixe e do sujeito lírico e remete ao sentido
principal de todo o poema, pois o mar é crucial para a sobrevivência do peixe,
da mesma forma que o sonho é para o sujeito poético. Ainda nesses versos, vale
destacar que o verso 2 é uma continuação do verso 1 (enjambement), pois os
versos são ligados pelo sinal de dois pontos[1]
que indica o início da referida comparação (símile) entre sonho/poeta e
mar/peixe.
De
acordo com Coelho, “o significado poético latente em um poema pode ser realçado
ou intensificado de vários modos” (1976, p.87), por meio de “reiteração,
anáfora, aliteração, onomatopeias, eco, paralelismo, refrão” [...] (1976,
p.61), mas também por meio de oposições semânticas.
Uma
dessas oposições é visível na segunda estrofe. Nos versos cinco e seis, o
sujeito lírico alude à água com o seu corpo, a água remete ao mar da primeira
estrofe que significa o sonho do sujeito poético. E este sonho é a sua “verdadeira”
alma (v.7), algo intangível que se contrapõe à materialidade de um corpo e
reitera a sua alusão ao sonho, algo abstrato e prazeroso. Outra oposição, porém
com sentido semelhante, é entre sentir (concreto) e pensar (abstrato). O
sujeito poético sente aquilo que ele pensa (v.8). Dessa forma, fica evidente a
oposição semântica e a fusão entre corpo X alma e sinto X penso.
Já
nos versos 11 e 12, o ponto de interrogação reforça o questionamento do sujeito
lírico enquanto à sua relação com o mundo. Esta oposição denota uma incerteza
em relação ao lugar do eu poético no mundo - por um lado o mundo o envolve e
por outro, ele envolve/contorna o mundo.
Recurso
semelhante (oposição/fusão), observamos nos versos 13 e 14, por meio de
expressões temporais: “Não é noite X nem dia; não é morte X nem vida”. Em suma,
observamos uma dupla negativa, uma oposição direta entre os termos que ocasiona
uma situação de incerteza em relação ao tempo, ao espaço e a própria
existência.
Essa
incerteza não é por acaso, pois se trata de uma sensação que as pessoas normalmente
experimentam quando sonham. As expressões espaciais no verso 16 (É (viagem) sem
volta X nem partida) vem reiterar essa sensação em relação ao espaço, pois
sugere uma improbabilidade em relação à localização, pois logicamente não tem
como apontar um lugar/espaço sem volta ou partida.
As oposições acima
acentuam as fusões de opostos no poema: material-espiritual, mundo-sujeito,
noite-dia, volta-partida, assim como no primeiro verso: “assim moro em meu
sonho”, cuja atmosfera remete a uma fusão entre a vida real e o sonho.
O sonho é o plano de
fuga do mundo real pelo sujeito poético, é uma busca por liberdade, por isso, a
última estrofe inicia com o vocativo “O céu da liberdade”. Tal termo sugere um
anseio do sujeito lírico por se afastar da causa do seu sofrimento, obviamente
esse sentimento doloroso não é em um mundo idealizado, de sonhos, logo se trata
da vida real. Porém, como se libertar da vida real? Isso só é possível em um
mundo imaginado ou mais extremamente com a própria morte.
A fuga do mundo real e
a opção pelo mundo dos sonhos libertador é o que justifica o devaneio no poema.
Em outras palavras, o sujeito lírico procura se libertar de uma realidade
concreta que ocasiona seu sofrimento e prefere viver em um mundo alternativo,
cuja essencialidade lhe proporciona certo prazer, por meio de um olhar profundo
em seu interior.
Referência
Bibliográfica
COELHO, Nelly Novaes. Literatura & Linguagem: a obra
literária e a expressão linguística. São Paulo: Quíron, 1976.
MEIRELES, Cecília. Obra poética. Rio de Janeiro: Aguilar,
1958.
Fonte
GOLDSTEIN, Norma. Versos,
sons e ritmos. São Paulo: Ática, 1985.
MONFARDINI, Adriana. Roteiro da Atividade III. Disciplina:
Literatura Brasileira Lírica, Capítulo: Devaneio. Santa Maria: UFSM/UAB, 2016.
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