terça-feira, 11 de julho de 2017

Trezentas Onças e a imagem do homem gaúcho

No conto Trezentas Onças, João Simões Lopes Neto faz uso de um narrador-protagonista (homodiegético), por meio de uma linguagem culta sem abrir mão do léxico regionalista, como destaca, Antônio Candido (1999, p.67): “Contos gauchescos (1912), delega a mediação narrativa, exercida através de uma prosa construída na confluência da fala popular com a estilização erudita”.
Também vale destacar, que a narrativa se apresenta como um relato oral, evidenciado por meio de inversões na frase, pontilhados, exclamações, reticências e travessões[1]. Por meio de lembranças, o narrador relata fatos que aconteceram no passado, mas ainda muito próximo dele, como percebemos na expressão: “Parece que foi ontem!” (LOPES, 1976, p.3).
Os valores gaúchos como honestidade e honra são inseridos sutilmente na narrativa, como por exemplo, no apreço e respeito de Blau Nunes pelo seu patrão “um charqueador, sujeito de contas mui limpas e brabo como uma manga de pedras...”, (LOPES,1976, p.3). Nesse sentido, Blau Nunes fica desesperado com a hipótese que o seu patrão pense que ele seja um ladrão, um homem desonesto. Posteriormente, encontra conforto ao atinar uma solução honrosa para a sua adversidade.
A narrativa também revela uma minuciosa descrição, pois a personagem proporciona ao leitor - através de uma abordagem metafórica - a percepção mais íntima da sua alma, ora de vaqueiro regionalista, ora de sentimentos universais:
[...]Deus o conserve!…, sem saber nunca como é pesada a tristeza dos campos quando o coração pena!...
- Há que tempos eu não chorava!... Pois me vieram lágrimas..., devagarinho, como gateando, subiram... tremiam sobre as pestanas, luziam um tempinho... (NETO, 1976, p.4).
Em outras palavras, Blau Nunes apresenta características pessoais conferidas ao homem gaúcho, mas também explora sentimentos inerentes a natureza humana, independente de tempo e espaço:
Em todos os seus contos, o interesse psicológico logo se impõe ao leitor, como valor predominante; a paisagem, as singularidades do ambiente, a própria forma dialetal, não passam de um meio que empregou para exprimir as dores e alegrias humanas. Em última análise, dentro dessa obra regional – ou regionalista – não é só o tipo característico de uma determinada região que aparece, mas o homem de sempre, já tão complexo na sua feição de primitivo, tão vulnerável e ameaçado, na aparência de forte, às vezes triste vítima do destino. (MEYER, 1960, p. 154).

Sensibilidade e entrega
A natureza ganha um enfoque especial neste conto. Ela é descrita sobre o olhar, os sentimentos e as impressões da personagem. Muitas são as afinidades de Blau Nunes com a natureza: as Três-Marias inspiram sentimentos de saudades de sua infância, dos seus pais e de ternura ao lembrar os seus filhos; o cachorro também remete a ternura dos filhos e a lealdade; o cavalo, sentimentos de companheirismo, de garra e o grilo de alegria, nesse sentido o próprio narrador salienta: “O cachorrinho tão fiel lembrou-me a amizade da minha gente; o meu cavalo lembrou-me a liberdade, o trabalho, e aquele grilo cantador trouxe a esperança...”, (LOPES, 1976, p.5).
Nesse sentido, Morfadini (2016, p.7) destaca que “assim como o mergulho na água, no início da narrativa, recupera as forças físicas de Blau, a comunhão dele com a natureza no fim do conto, lhe dão forças espirituais para renascer e enfrentar o patrão”.
Segundo o professor Flávio Loureiro Chaves (1982, p. 223), “a descrição da paisagem local se faz indispensável, mas não porque se esgote em si mesma e sim porque é fundamento duma concepção existencial muito mais ampla em que pretende se restabelecer o vínculo entre o homem e a natureza”.
Assim sendo, temos um homem aparentemente forte (típico gaúcho), mas não imune ao choro e ao desespero (sentimentos universais). Uma pessoa íntegra, simples, sensível e intimamente compassiva aos seres que o rodeiam.



Referência Bibliográfica

CANDIDO, Antônio. Iniciação a Literatura Brasileira: Resumo para Principiantes.  3ª ed., São Paulo: Humanitas, 1999.

CHAVES, Flávio Loureiro. Simões Lopes Neto: regionalismo & literatura. Editora Mercado Aberto: Porto Alegre, 1982.

MEYER, Augusto. Prosa dos pagos. São José: Rio de Janeiro, 1960.

MONFARDINI, Adriana. Roteiro de Estudos 4: Trezentas Onças. Fundamentos da Literatura Brasileira, 5ª fase, Letras – Língua Portuguesa e Literatura. Universidade Federal de Santa Maria e Universidade Aberta do Brasil, 2016.

NETO, João Simões Lopes. Contos Gauchescos: Trezentas Onças. 9ª ed. Globo: Porto Alegre, 1976.



[1] Exemplo:
— É verdade... antes morresse, que isto!
— Deus me perdoe! — que até parecia fala.

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