No conto Trezentas Onças, João Simões Lopes Neto faz uso de um
narrador-protagonista (homodiegético), por meio de uma linguagem culta sem
abrir mão do léxico regionalista, como destaca, Antônio Candido (1999, p.67):
“Contos gauchescos (1912), delega a mediação narrativa, exercida através de uma
prosa construída na confluência da fala popular com a estilização erudita”.
Também vale destacar, que a narrativa se apresenta como um relato oral,
evidenciado por meio de inversões na frase, pontilhados, exclamações, reticências
e travessões[1].
Por meio de lembranças, o narrador relata fatos que aconteceram no passado, mas
ainda muito próximo dele, como percebemos na expressão: “Parece que foi ontem!”
(LOPES, 1976, p.3).
Os valores gaúchos como honestidade e honra são inseridos sutilmente na
narrativa, como por exemplo, no apreço e respeito de Blau Nunes pelo seu patrão
“um charqueador, sujeito de contas mui limpas e brabo como uma manga de
pedras...”, (LOPES,1976, p.3). Nesse sentido, Blau Nunes fica desesperado com a
hipótese que o seu patrão pense que ele seja um ladrão, um homem desonesto.
Posteriormente, encontra conforto ao atinar uma solução honrosa para a sua adversidade.
A narrativa também revela uma minuciosa descrição, pois a personagem
proporciona ao leitor - através de uma abordagem metafórica - a percepção mais
íntima da sua alma, ora de vaqueiro regionalista, ora de sentimentos
universais:
[...]Deus
o conserve!…, sem saber nunca como é pesada a tristeza dos campos quando o
coração pena!...
-
Há que tempos eu não chorava!... Pois me vieram lágrimas..., devagarinho, como
gateando, subiram... tremiam sobre as pestanas, luziam um tempinho... (NETO, 1976,
p.4).
Em outras palavras, Blau Nunes apresenta características pessoais
conferidas ao homem gaúcho, mas também explora sentimentos inerentes a natureza
humana, independente de tempo e espaço:
Em todos os seus contos, o interesse psicológico
logo se impõe ao leitor, como valor predominante; a paisagem, as singularidades
do ambiente, a própria forma dialetal, não passam de um meio que empregou para
exprimir as dores e alegrias humanas. Em última análise, dentro dessa obra
regional – ou regionalista – não é só o tipo característico de uma determinada
região que aparece, mas o homem de sempre, já tão complexo na sua feição de
primitivo, tão vulnerável e ameaçado, na aparência de forte, às vezes triste
vítima do destino. (MEYER, 1960, p. 154).
Sensibilidade e entrega
A natureza ganha um enfoque
especial neste conto. Ela é descrita sobre o olhar, os sentimentos e as
impressões da personagem. Muitas são as afinidades de Blau Nunes com a
natureza: as Três-Marias inspiram sentimentos de saudades de sua infância, dos
seus pais e de ternura ao lembrar os seus filhos; o cachorro também remete a
ternura dos filhos e a lealdade; o cavalo, sentimentos de companheirismo, de
garra e o grilo de alegria, nesse sentido o próprio narrador salienta: “O
cachorrinho tão fiel lembrou-me a amizade da minha gente; o meu cavalo
lembrou-me a liberdade, o trabalho, e aquele grilo cantador trouxe a
esperança...”, (LOPES, 1976, p.5).
Nesse sentido, Morfadini (2016,
p.7) destaca que “assim como o mergulho na água, no início da narrativa,
recupera as forças físicas de Blau, a comunhão dele com a natureza no fim do
conto, lhe dão forças espirituais para renascer e enfrentar o patrão”.
Segundo o professor Flávio
Loureiro Chaves (1982, p. 223), “a descrição da paisagem local se faz
indispensável, mas não porque se esgote em si mesma e sim porque é fundamento
duma concepção existencial muito mais ampla em que pretende se restabelecer o
vínculo entre o homem e a natureza”.
Assim sendo, temos um homem
aparentemente forte (típico gaúcho), mas não imune ao choro e ao desespero
(sentimentos universais). Uma pessoa íntegra, simples, sensível e intimamente compassiva
aos seres que o rodeiam.
Referência Bibliográfica
CANDIDO, Antônio. Iniciação a
Literatura Brasileira: Resumo para Principiantes. 3ª ed., São Paulo: Humanitas, 1999.
CHAVES, Flávio Loureiro. Simões Lopes Neto: regionalismo &
literatura. Editora Mercado Aberto: Porto Alegre, 1982.
MEYER, Augusto. Prosa dos pagos. São José: Rio de Janeiro, 1960.
MONFARDINI, Adriana. Roteiro de Estudos 4:
Trezentas Onças. Fundamentos da Literatura Brasileira, 5ª fase, Letras –
Língua Portuguesa e Literatura. Universidade Federal de Santa Maria e
Universidade Aberta do Brasil, 2016.
NETO, João Simões Lopes. Contos
Gauchescos: Trezentas Onças. 9ª ed. Globo: Porto Alegre, 1976.
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