Sabe, moço,
Que no meio do alvoroço
Tive um lenço no pescoço
Que foi bandeira pra mim
Que andei em mil peleias
Em lutas brutas e feias
Desde o começo até o fim
Que no meio do alvoroço
Tive um lenço no pescoço
Que foi bandeira pra mim
Que andei em mil peleias
Em lutas brutas e feias
Desde o começo até o fim
Sabe, moço,
Depois das revoluções
Vi esbanjarem brasões
Pra caudilhos coronéis
Vi cintilarem anéis
Assinatura em papéis
Honrarias para heróis
Depois das revoluções
Vi esbanjarem brasões
Pra caudilhos coronéis
Vi cintilarem anéis
Assinatura em papéis
Honrarias para heróis
É duro, moço,
Olhar agora pra história
E ver páginas de glórias
E retratos de imortais
Sabe, moço,
Fui guerreiro como tantos
Que andaram nos quatro cantos
Sempre seguindo um clarim
Olhar agora pra história
E ver páginas de glórias
E retratos de imortais
Sabe, moço,
Fui guerreiro como tantos
Que andaram nos quatro cantos
Sempre seguindo um clarim
E o que restou?
Ah, sim!
No peito em vez de medalhas
Cicatrizes de batalhas
Foi o que sobrou pra mim
Ah, sim!
No peito em vez de medalhas
Cicatrizes de batalhas
Foi o que sobrou pra mim
(Francisco Alves)
Comentário
A letra da música de Francisco Alves apresenta dois
momentos do peão/soldado farroupilha, o primeiro, repleto de glória e heroísmo
(passado), o segundo, de lamento e abandono (presente). Quanto a sua forma, o
texto é distribuído em quatro estrofes e 27 versos, com métricas e rimas irregulares,
com predominância de versos emparelhados, outros intercalados, responsáveis
pelo ritmo da canção, que traz como complemento fundamental a entonação do seu
intérprete. O texto, em comunhão com a interpretação musical, caracteriza a
fala peculiar do gaúcho campeiro.
Nos versos 1, 8, 15, 19 e 23 temos uma intervenção
direta com o interlocutor, o qual o sujeito poético compartilha suas memórias,
indagações e inconformismo. Na primeira estrofe, o patriotismo e o amor por sua
terra estão bem claros, assim como sua alma guerreira, comprometida do início
ao fim com os conflitos da revolução farroupilha.
Na estrofe seguinte, o gaúcho guerreiro começa a
perceber certa incoerência entre aqueles que realmente lutaram pelo Rio Grande
e aqueles que foram condecorados, homenageados e imortalizados por essa luta. Além
da forte hierarquia militar há uma evidente hierarquia social.
Nesse sentido, a figura mística do gaúcho herói vai
morrendo e nasce outro olhar sobre esse homem sulino. Nas últimas estrofes, o peão/soldado
confessa a amargura e a dureza dessa transição. Pois, a história como foi
redigida, imortalizou e glorificou só a quem lhe era conveniente; para o
“guerreiro ralo”, pouco ou nada lhe sobrou. A sua única herança são as
cicatrizes de batalhas. Estas, como se percebe no texto, vão além de marcas em
seu corpo, pois as mais profundas estão em sua alma.
Em suma, esta música alude à figura do homem gaúcho que supostamente
lutou de forma heroica para defender a sua terra e os seus ideais. Ao ser
narrada por um sujeito desse momento histórico, ele revela aquilo que está além
dessa época “gloriosa e imortalizada” e revela um novo homem, um novo gaúcho,
não tão sublime como os registrados em fotos e livros, mas real e palpável ao
seu novo tempo e espaço.
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