O mundo urbano carioca em "Teoria do Medalhão" tem
características históricas e contextuais da sociedade próprias de sua época,
assim como estruturas narrativas e linguagens peculiares, próprias de um
diálogo. A figura paterna em Machado de Assis apresenta um mundo capitalista,
individualista, patriarcal, estratégico, no sentido de não entrar em polêmicas
ou discussões para estar acessível ao maior número de vantagens que levaria a
um futuro promissor (Medalhão); tal visão de mundo tem como fundo uma crítica
reflexiva que só será acessada por um leitor com perspectiva semelhante.
Em resumo, a Teoria do Medalhão
mostra o reflexo de uma sociedade que se moldou às perspectivas das melhores
vantagens (pessoais, sociais, políticas, econômicas...). Trata-se de um mundo
urbano planejado, articulado, racional e de uma linguagem ousada, e sensível ao
retratar algo que dialogue com o homem do seu tempo, de uma forma indireta e
seletiva. O conto não deixa de ser uma grande provocação, pois ao mesmo tempo
em que pai desaconselha o uso de
ironias, porque tal atitude é própria dos “céticos e desabusados”, ele cita O Príncipe. Essa aproximação tem uma
evidente inversão de valores, ao comparar a finalidade das regras, moralmente
questionáveis, entre as duas obras, visto que a Teoria do Medalhão trata-se de interesses pessoais e o livro de
Machiavel, interesses estatais. Esse paralelo é em essência uma grande ironia no
conto.
O conto Amor de Clarice
Lispector traz muitas informações nas “entrelinhas”, a autora explora o “dito
no não dito” e revela não só um enredo profundo como dialoga com leitores de
todas as épocas, sem perder a sua atualidade, por meio de alguns recursos
metafóricos e pela sensibilidade de traduzir a essência humana.
Em um primeiro momento, o narrador
onisciente revela uma mulher envolvida em seu próprio mundo de esposa, mãe e
dona do lar. No segundo parágrafo é notória uma comparação entre o que circunda
a personagem e ela própria, ou seja, tudo em sua volta cresce, mas Ana permanece
pequena. Uma evidência disso é a comparação com um lavrador, pois seu propósito
é servir de instrumento para que os seus frutos cresçam.
Enfim, inicialmente temos
uma personagem acomodada em sua realidade, insegura, frágil, onde a felicidade
não importa mais que o dever cumprido. Ela se firma no palpável, no regrado e
evita ou foge do abstrato. Essa “zona de
conforto” é posta em prova quando ela se compara a imagem do “outro”, no caso,
a figura do cego, e isso só é possível fora da sua redoma de vidro
(casa/privado), em um espaço desconhecido e desafiador, que vai além de suas
convicções (o bonde/público).
No conto de Clarice Lispector, existem acontecimentos que ocorrem ao
redor de Ana e os que ocorrem somente no seu pensamento. Por exemplo: “Os ramos
se balançavam, as sombras vacilavam no chão. [...] Quando Ana pensou que havia
crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe a garganta, como se ela
estivesse grávida e abandonada” (LISPECTOR, 1998, p.16). Apesar de ser
uma mulher convencionalmente livre, Ana é refém das suas obrigações familiares
e ao comodismo que esse papel representa. O interessante, é que esse fato não é
aparentemente errado, mau ou gerador de infelicidade, mas é limitante, e isso é
que a faz refletir quase que por acaso ao deparar-se com o cego e o Jardim
Botânico.
Nesse sentido, a personagem está presa em
seu contexto familiar, enquanto há um mundo amplo e desafiador, com sensações
inéditas e com sentidos jamais explorados. No entanto, ela enxerga sua
casa/prisão como algo seguro, onde não precisa ter maiores preocupações e
comprometimentos, além do seu conveniente papel de mãe e esposa dedicada.
No entanto, por mais que
haja uma inquietação interna, Ana chega ao seu mundo (casa) diferente, tudo está
igual, mas ela não, pois foi despertada pela “cegueira”. As suas indagações
transcendem o conto e também dialogam com os leitores.
OUTRAS CARACTERÍSTICAS
Os
contos apresentam poucos personagens e uma estrutura diferenciada. Em Teoria do Medalhão, o autor opta por não
usar um narrador e sim um diálogo entre pai e filho, na casa da família, uma
hora antes do filho completar 21 anos. Trata-se de uma estrutura baseadas em
cenas, cujo tempo literário procura se assemelhar ao tempo real.
O
conto Amor apresenta um narrador
onisciente em 3ª pessoa. O tempo da narrativa também é curto, inicia em um
bonde, passa por uma breve parada no Jardim Botânico e se encerra com a chegada
de Ana em seu lar. Nesse conto, o narrador, que não participa da história,
também faz uso de uma analepse temporal (2º ao 5º parágrafo).
Em
relação ao título, o medalhão é um objeto que se usa próximo ao peito e
contempla duas faces, uma, geralmente bela e preciosa, a vista de todos e outra
bem diferente, junto ao corpo. Isso demonstra uma dupla aparência e
significa que nem sempre o que os outros vêm é o que mais se aproxima da
pessoa. Trata-se de uma possibilidade metafórica que condiz com a sua época de
produção, pois o texto, contextualizado no século XIX, faz uma ponte e uma
crítica direta com a sociedade burguesa da época, como já mencionado, porém, sem
perder a essência reflexiva para os dias atuais.
Já o
título Amor, é amplo, indireto e intrigante, pois ele pode se relacionar tanto
ao amor ao próximo, ao se comparar com o cego, mesmo no sentido metafórico,
como ao amor familiar (entrega e dedicação). As possíveis definições de amor,
também, podem ser apontadas como um questionamento indireto entre a autora e o
leitor.
Vale
destacar, que Lispector vivenciou o fim da democracia nacionalista da República
e o início da ditadura no Brasil (SEIDEL, MADEIROS, 2014, p.3), assim sendo, a
alienação familiar e a opção por um “mundo perfeito”, sem grandes problemas ou
compromissos sociais permeiam um pano de fundo neste conto, assim como a submissão
da mulher aos deveres domésticos, e a própria falta de liberdade,
característica dessa época. Ana não é uma grande heroína, mas é uma mulher
comum, mergulhada em seus conflitos e desafios, como tantas outras, em todos os
tempos.
Depois de
refugiar-se no Jardim Botânico entre plantas e bichos, observa aquele mundo
natural, instintivo, sem regras, com um misto de fascínio e nojo. Ela sabe que
jamais enxergará a vida da mesma forma, mas volta correndo para casa, agarra-se
ao filho, recebe visitas, dá ordens à empregada, retoma sua rotina doméstica e
previsível. (PAJOLLA, 2019, p.39)
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ASSIS,
Machado de. Teoria do Medalhão. Biblioteca
Virtual do Estudante Brasileiro. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v. II.
Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000232.pdf.
Acesso em 25 de maio de 2017.
HELENA,
Lucia. Três momentos do desassossego na literatura brasileira: Machado,
Lispector E Noll. Revista do Curso de Letras da UNIABEU Nilópolis, v.6, Número
3, setembro-dezembro, 2015. Disponível em: http://revista.uniabeu.edu.br/index.php/RE/article/view/2208/pdf_437.
Acesso em 06 de junho de 2017.
LISPECTOR, Clarice. Laços de Família: Amor.
Editora Rocco, 1998. Disponível em: https://ead08.proj.ufsm.br/moodle2_UAB/pluginfile.php/206974/mod_resource/content/1/Clarice_Lispector_-_Lacos_de_Familia.pdf. Acesso em 30 de maio de 2017.
PAJOLLA, Alessandra Dalva de Souza. Identidades femininas múltiplas em crônicas de Clarice Lispector.
Maringá: UEM, 2010. Disponível em http://www.ple.uem.br/defesas/pdf/adspajolla.pdf.
Acesso em 06 de junho de 2017.
SEIDEL,
Vizette Priscila; MEDEIROS, Karla O. Armani. Os Jogos Sociais em Machado de
Assis e Clarice Lispector. Barretos: Unibarretos, 2014. Disponível em: http://revistadigital.unibarretos.net/index.php/historia/article/view/34/36.
Acesso em 06 de junho de 2017.
FONTE
REGINATTO,
Andrea. Roteiro de orientação da Tarefa
2. Disciplina: Literatura Brasileira Narrativa. Santa Maria: UFSM/UAB,
2017. Disponível em: https://ead08.proj.ufsm.br/moodle2_UAB/mod/assign/view.php?id=157008.
Acesso em 01 de junho de 2017.
SANTOS,
Pedro Brum. Roteiro da Atividade 4.
Disciplina: Literatura Brasileira Narrativa. Santa Maria: UFSM/UAB, 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário